E desde então, aquela sombra parecia seguir-me. Por isso... Por isso eu andava tão nervoso, psicótico até. Era uma sombra negríssima, negra como ébano. Olhava para as paredes rochosas e cristalinas, sem nunca olhar para trás. Não sabia o que estava a acontecer. O vulto cercava-me por trás aproximando-se lentamente, como um animal-selvagem. Corria e corria, até não poder mais. A entidade obscura chegava ao túnel, comendo pedaços dele. Podia ver a escuridade a aumentar atrás dos meus pés, obrigando-me a fugir do meu medo desconhecido. Consegui sair do túnel infernal, em direcção ao ar fresco. Estava numa praia, sentia a maresia a entrar nas minhas narinas e o vento quente a bater na minha face. O Sol incendiava sob a areia branca e suave. Quanto aliviado que eu estava! A sombra saiu do túnel taciturno. A sombra diminuiu de tamanho, encolhendo, ficando mais esférica. Adquiria olhos, orelhas, focinho e uma boca pequena. Uns longos bigodes, ele ou ela tinha. Era um gato pequeno e preto, amistoso até. Era apenas um gatinho, a sombra tão macabra e temível. Olhei nos olhos amarelos do gato, peguei nele ao colo e fiz-lhe umas festas. O gato saltou dos meus braços para o chão arenoso e proferiu enigmaticamente.
-- Porque foges da
tua sombra, de mim, não vês que estás apenas a fugir de ti próprio. Por vezes
fugimos de nós próprios, do desconhecido e daquilo que nos faz bem. Porque
foges?
Não conseguia
emitir nem um som. Vi vários gatos aparecerem, multicolores a sair duma gruta
mais próxima. Reuniram-se à volta do gato-prodígio, da maravilha falante.
-- Viva o Rei dos
Gatos! -- declararam todos os gatos que cercavam a sua majestade felina. O rei
felídeo e os seus vassalos fantásticos dirigiram-se ao mar, entraram no
pôr-do-sol e desapareceram como nunca tivessem existido. Estava tão tranquilo,
a calmaria corria a praia toda. Nunca mais tive medo nesse dia. Medo de
enfrentar a vida, o mundo e os problemas. Pois as coisas mais temíveis por
vezes são apenas um gatinho fofinho e de olhos dóceis. Sorri.
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