Comtemplo as ruas e o parque deserto. Desprovidas de emoção, sentimento e personalidade. De vida! Nada mais sorumbático do que ver os baloiços sem o sorriso pueril e a sua jovialidade. Saudades são sentidas nas cidades, vilas e aldeias; dos ecos sonoros das brincadeiras infantis. Saudades do movimento humano e do fulgor solar. O Mundo vive uma quarentena que nos confina dentro dos nossos lares, devido a uma pandemia de uma enfermidade sinistra, baptizada pelos virólogos de Covid-19, provocada por um coronavírus letal e nefasto, SARS-CoV-2. Originário de terras orientais, como a bactéria da Peste, este vírus é um assassino silencioso que vitimou letalmente milhões de pessoas. Pessoas de todos os estratos sociais, etnias e idades. Todos. Advogados, agricultores, artistas, banqueiros, barbeiros, bombeiros, carpinteiros, cientistas, cozinheiros, dentistas, electricistas, empregados de limpeza, estudantes, enfermeiros, farmacêuticos, juízes, médicos, operários, padeiros, pedreiros, polícias e professores. Professores e alunos. Médicos e pacientes. Polícias e ladrões. Patrões e empregados. Políticos e não-militantes. Crianças, adultos e velhos. Cegos e não-cegos. Ricos e pobres. Brancos e negros. Comunistas e fascistas. Socialistas e neoliberais. Democratas e totalitários. Republicanos e ditadores. Anões e gigantes. Um vírus tão mortal e abjecto como o retrovírus da SIDA, o HIV, ou o vírus do ébola. Tão letal como a tuberculose ou a sífilis. Tão perigoso como a Peste Negra que matou milhões na Europa medieval e na Ásia; usando pulgas e ratazanas como vectores. Estamos a viver uma nova peste nesta era da Globalização dando força ao populismo neofascista da extrema-direita. Um microorganismo que nos obriga ao confinamento e ao distanciamento social. Um germe medonho que nos impede de celebrar o Natal ou a Páscoa como desejaríamos. Um algoz que decapita a nossa liberdade, felicidade e conforto. Os médicos e os enfermeiros, esses valentes heróis, dão tudo por tudo para salvaguardar a saúde dos enfermos. A mortandade nos hospitais é geral e existe uma carência de camas inaceitável. A maioria, ricos e pobres, estão sem labor e passam por momentos de miséria e fome. É um microorganismo que leva as pessoas à paranóia da germofobia, da misofobia, das teorias da conspiração, das notícias falsas e do negacionismo. Ou atitudes irracionais nos supermercados como comprar quase todos os rolos de papel higiénico para além do essencial. Os grunhos acéfalos, que votam e admiram a extrema-direita, servem-se do distanciamento social e da pandemia para mostrar o seu racismo nascido na xenofobia, no etnocentrismo e no ultranacionalismo. E para promover a discriminação de minorias étnicas, estratos sociais, sexos, outras orientações sexuais ou identidades de género. As boticas vendem máscaras comunitárias e entidades altruístas dão, para nós nos precavermos do malevolente agente patogénico. Filantropos ajudam. Frascos de álcool-gel encontram-se à entrada dos estabelecimentos de restauração, supermercados e outros serviços. As ruas e os supermercados estão pejados de máscaras ambulantes que deambulam esvaziando as prateleiras para adiar a sua futura fome e potencial miséria. Alguns tolos negacionistas vão à praia como se o coronavírus fosse apenas uma quimera inventada por uma organização plutocrática e por cientistas aborrecidos. Outros culpam o Estado pela pandemia, apesar de este não ser responsável pelas acções individuais e as suas respectivas consequências quando tomam atitudes negacionistas ou irresponsáveis que põem em perigo o travo da pandemia e a saúde pública. Mas atenção. A ameaça desta criatura viral é bastante real e mata. E muito. Um verdugo que nos quer executar a todos por pecados inexistentes. Muitos não vivem, sobrevivem. Alguns durante o confinamento conseguem aguentar e distraírem-se com passatempos e outras actividades, mas outros vivem um tédio constante dentro das suas casas ou estão presos em ambientes nocivos numa espiral de violência doméstica e medo. Existe fronteiras entre famílias, separadas desde do início pandémico. O mais sorumbático da fatídica e tenebrosa situação em que nos encontramos é haver pessoas completamente sozinhas e confinadas que há mais de um ano não vêm os seus familiares, amigos e outros entes queridos. E numa altura em que hospitais sobrelotados vivem um acontecimento tétrico, os enfermos estão acamados e sós, humilhadamente sós.
Quinta do Conde, 25 de Janeiro de 2021.
Fernando Emanuel Pinheiro.
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